• Adriana Barbosa *
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Adriana Barbosa, fundadora da Feira Preta, foi capa da PEGN (Foto: Editora Globo)

Adriana Barbosa, fundadora da Feira Preta (Foto: Editora Globo)

Há pouco mais de 17 anos, decidi empreender em uma iniciativa que pudesse dar visibilidade à comunidade negra. Para isso, eu me virei vendendo peças de roupas usadas nas ruas de São Paulo. Uma década e meia depois, em 2017, estava eu, em Nova York, entre as 100 pessoas afrodescendentes - com menos de 40 anos - mais influentes do planeta, em um ranking que incluía estrelas do esporte, como Serena Williams e Usain Bolt, da música pop, Rihanna e Beyoncé, sendo premiada pela iniciativa do Festival Feira Preta.

Em 17 edições, a Feira Preta mobilizou mais de 200 mil visitantes e movimentou mais de R$ 5 milhões. Além de São Paulo, já passamos por Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Maceió Recife e São Luís. A última edição, sozinha, reuniu na capital paulista mais de 100 empreendedores e 50 mil pessoas em três dias de evento aberto na região central da capital paulista.

Propósito, resistência e necessidade versus oportunidade foram os ingredientes que me levaram a empreender. Hoje, entendo que a Feira Preta foi um dos primeiros modelos pautados no tema de raça no cenário de negócios de impacto social no país.
 
Um negócio de impacto social pode ser definido como tudo aquilo que traz transformações e resultados positivos para a vida das pessoas, a médio ou longo prazos. Normalmente, no Brasil, partem de uma lógica de escassez e são criados para gerar mudanças em situações de necessidade e vulnerabilidade dos grupos de pessoas historicamente colocados à margem da sociedade.

Muita gente ainda acha que as pessoas da periferia não têm poder aquisitivo para comprar determinados produtos ou inventividade para estar em certos espaços empreendedores, mas quem pensa assim não conhece a realidade de territórios detentores de saberes e tecnologias singulares, desenvolvidas localmente.

Os hábitos e práticas empreendedoras dos moradores das periferias são pouco conhecidos em sua essência e sobre eles se criaram muitos mitos e paradigmas. Os grandes “investidores sociais” que atuam no país tendem a focar suas ações nas periferias, a partir de um olhar “estrangeiro”, de fora para dentro, sem considerar que são as pessoas que já pertencem a esses territórios que conhecem como ninguém os seus códigos e, consequentemente, são aquelas que têm uma compreensão mais apurada das dores e delícias de viver nas regiões periféricas.

É assim que a periferia e o morro fazem. Compreendem os contextos, inventam e reinventam a sua própria forma e linguagem, levando em consideração as especificidades do território e de seus públicos, com um diferencial dos empreendedores que, de fora, criam soluções para a periferia. Eles vivem o que estão se propondo a solucionar. Não estão distantes se colocando como “liderança salvadora”. Os empreendedores das margens da sociedade desenvolvem produtos, serviços, tecnologia e soluções para uma vida melhor nessas regiões, com profundo conhecimento e propriedade.
 
Temos todos muito a aprender com eles.

* Adriana Barbosa é empreendedora, presidente da Feira Preta, especialista em empreendedorismo e considerada uma das mulheres negras mais influentes do mundo, segundo o  MIPAD