EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

Colapso demográfico, econômico e ambiental do Burundi, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

 

taxa de fecundidade total e população no Burundi

 

[EcoDebate] O Burundi vive, no presente, um colapso demográfico, econômico e ambiental. Mas o cenário futuro é ainda mais dramático, pois o país encontra-se paralisado economicamente pela “armadilha da pobreza”, tem uma população crescendo a taxas extremamente elevadas, uma estrutura etária muito jovem, com alta razão de dependência demográfica, grande desigualdade social, sérias divergências étnicas entre a população e graves problemas ambientais.

O Burundi é um país africano de 27,8 mil km2 (exatamente do tamanho do estado de Alagoas), localizado às margens do lago Tanganica (na nascente do rio Nilo), tendo com vizinhos a Tanzânia, a República Democrática do Congo e Ruanda. Entre 1885 e 1945 o território do Burundi ficou sob domínio alemão. Após a Segunda Guerra ficou sob tutela da Bélgica (uma curiosidade é que, Anne de Bruyne – mãe do craque belga Kevin de Bruyne que eliminou o país nas quartas de final da Copa da Rússia – nasceu no Burundi). Em 1962, o Burundi se tornou um país independente, sob uma monarquia tutsi. Mas a rivalidade entre o grupo minoritário Tutsi e o grupo majoritário Hutus tem gerado diversos conflitos étnicos e também de classe social, pois os Tutsis formam uma elite privilegiada (que controla o acesso à educação, aos melhores postos de trabalho e o comando das Forças Armadas). O Burundi vive, praticamente, uma guerra civil permanente, que é agravada pelo empobrecimento geral do país, em um quadro de crescimento populacional e redução da base ambiental.

O Índice de Desenvolvimento Humano, em 2015, era de 0,404, ocupando o 184º lugar entre 188 países (ganhando apenas de Burkina Faso, Chade, Níger e República Central Africana). O índice de Gini, que mede a desigualdade de renda, estava em torno de 0,40 (nível elevado, embora abaixo do índice de Gini brasileiro que está em torno de 0,52). A mortalidade infantil está em 69 por mil e a esperança de vida ao nascer está em 58 anos, no quinquênio 2015-20. O grande problema é que a situação social do Burundi está se agravando e não melhorando. Existe um processo de aumento da pobreza absoluta e redução da riqueza econômica e ecológica.

O gráfico acima, com dados da Divisão de População da ONU, mostra que a população do Burundi era de 2,4 milhões de habitantes em 1950, passou para 11,2 milhões em 2017 e, pela projeção média, pode chegar a 54 milhões em 2100. Um crescimento de mais de 20 vezes em 150 anos. A taxa de fecundidade total (TFT) que estava em torno de 7 filhos por mulher em meados do século passado, subiu para 7,6 filhos no quinquênio 1985-90 e caiu para 5,6 filhos no atual quinquênio 2015-20. Ou seja, a taxa de fecundidade está caindo mas em um ritmo muito lento, o que mantém alto o ritmo de crescimento populacional.

A alta fecundidade também mantém a estrutura etária da população muito jovem, conforme pode ser visto pelas pirâmides abaixo, que mostram que a população cresceu, aumentou o número de pessoas na parte de cima da pirâmide, mas a estrutura etária continua muito rejuvenescida e com alta proporção de crianças na população. Isto quer dizer que a razão de dependência demográfica é muito alta e que o país tem que destinar alto volume de recursos para o cuidado da população de crianças e jovens. Qualquer país nesta situação tem dificuldades para aumentar as taxas de investimento e não pode contar com os benefícios do bônus demográfico, que só surge quando as taxas de fecundidade caem para níveis mais baixos.

 

pirâmides populacionais do Burundi

 

De fato, o alto crescimento demográfico e o baixo crescimento econômico colocam o Burundi na “armadilha da pobreza”. Isto é, o país tem carências de recursos para fazer investimentos produtivos e elevar o percentual de pessoas ocupadas em atividades de alto retorno econômicos. A população é pobre porque não tem empregos produtivos e sem condições de mudar esta realidade a pobreza se perpetua, especialmente devido ao alto crescimento da população.

O gráfico abaixo, com dados do FMI, mostra as taxas anuais de crescimento do PIB e da população, nos anos 2000. Nota-se que a população mantém o crescimento anual em torno de 3% ao ano, mas o PIB, que apresentou desempenho acima do crescimento populacional entre 2004 e 2014, entrou em fase de recessão e baixo crescimento, fazendo surgir uma “década perdida” e de grande empobrecimento do país.

 

variação anual do PIB e da População no Burundi

 

O gráfico abaixo, também com dados do FMI, mostra que o Burundi tem uma renda per capita (em poder de paridade de compra – ppp, na sigla em inglês) muito pequena, abaixo de US$ 1 mil. A renda per capita aumentou ligeiramente entre 1980 e 1991, caiu para menos de US$ 700 nos anos seguintes, subiu ligeiramente entre 2004 e 2014 e voltou a cair no restante da atual década. Ou seja, a renda per capita atual do Burundi é menor do que aquela da década de 1980 e o país continua a marcha de empobrecimento absoluto.

 

renda per capita do Burundi

 

Portanto, o quadro demográfico e econômico é de uma crise profunda. As crianças que nascem não contam com investimentos suficientes do Estado ou da família para melhorar as condições de saúde, educação e moradia e quando chegam à idade adulta não encontram empregos para ter uma autonomia financeira e nem recursos para evitar a reprodução do ciclo intergeracional de pobreza. O resultado é o empobrecimento geral do país. A continuidade do crescimento populacional vai agravar a situação. Entre 1950 e 2017 houve um aumento de cerca de 9 milhões de pessoas no Burundi. Mas entre 2017 e 2100 o aumento estimada (pela projeção média da ONU) é de mais de 40 milhões de pessoas. Ou seja, mesmo com a queda da TFT para o nível de reposição em 2100, a população do Burundi deve mais que quadruplicar no restante do século. Acontece que o país não tem recursos para aumentar as suas taxas de investimentos produtivos e a tendência é manter a continuidade do empobrecimento absoluto da população, só que envolvendo um volume muito maior de pessoas.

Para agravar este quadro de crise demográfica e econômica profunda, o Burundi também passa por uma crise ambiental. Estudo do Banco Mundial e da TerrÁfrica revela que o Burundi sofre com o desmatamento, a degradação do solo, a poluição doméstica do ar, a poluição das águas, a perda de biodiversidade, assim como diversos desastres naturais, conforme mostra o quadro abaixo.

 

principais problemas ambientais do Burundi

 

O Burundi tem um passado de muitos conflitos sociais e políticos. Porém, a cada dia vai haver mais problemas ambientais, e o país terá que enfrentar os conflitos ecossociais, pois a degradação do meio ambiente vai colocar mais um desafio ao quadro de empobrecimento absoluto da pequena nação africana. A queda do padrão de vida deve ocorrer em termos humano e ambiental. Sem base ecológica será impossível haver avanço social.

O gráfico abaixo, com dados da Footprint Network, mostra que a pegada ecológica per capita no Burundi caiu de 1,1 hectare global (gha), em 1961 para 0,6 gha, em 2014. Ou seja, a pegada ecológica (proxy para o padrão de consumo) caiu quase pela metade, mostrando o nível de empobrecimento absoluto da população do Burundi. A pegada ecológica do Burundi é 4,5 vezes menor do que a pegada ecológica per capita mundial (de 2,84 gha). Todavia, mesmo com este padrão de consumo tão baixo, a biocapacidade per capita é ainda menor e caiu de 0,87 gha em 1961 para somente 0,32 gha em 2014. Esta queda ocorreu, fundamentalmente devido ao crescimento populacional, pois a biocapacidade per capita foi diminuindo na medida que crescia o denominador do coeficiente. A área do Burundi é de 27,8 mil km2 (igual à área do estado de Alagoas). Em 1961, a população era de 2,8 milhões de habitantes, com densidade demográfica de 111 hab/ km2, passando para 9,9 milhões de habitantes em 2014 e densidade de 385 hab/ km2. Desta forma, o Burundi que tinha um déficit ambiental de 28% em 1961, apresentou um déficit ambiental de 88% em 2014.

 

pegada ecológica e biocapacidade, per capita, Burundi

 

Todos os dados acima mostram que o Burundi vive uma situação de colapso demográfico, econômico e ambiental. Do ponto de vista global, a população do Burundi não contribui em quase nada para agravar os problemas do aquecimento global e das mudanças climáticas. Mas seria um erro considerar que o país não tenha um grave problema ecológico. Evidentemente, ninguém poderia afirmar que o problema do Burundi seria decorrente do superconsumo. Claro que não, pois o país é muito pobre e consume bens e serviços abaixo das necessidades mínimas para uma vida digna.

Mas, indubitavelmente, o Burundi tem um problema demográfico. O alto crescimento da população tem trazido empobrecimento econômico, social e ambiental. O volume de habitantes do Burundi é pequeno para a escala da população mundial, mas considerando as condições do território, pode-se afirmar que o Burundi tem um problema de superpopulação e que o alto crescimento demográfico é o principal vetor da perda de qualidade de vida humana e ambiental.

O Burundi está preso num ciclo vicioso, pois o país precisa ter crescimento econômico para reduzir a pobreza, mas não tem os meios para implementar este crescimento e nem as condições ambientais para sustentar a expansão da economia. Somente o fundamentalismo religioso e antineomalthusianismo mais ferrenho não reconhecem que uma queda da fecundidade para um ponto abaixo do nível de reposição poderia ser, senão um meio para reduzir a pobreza, pelo menos uma alternativa para aliviar o sofrimento de milhões de pessoas que estarão condenadas ao martírio, caso o país não evite o alto número de nascimentos em um cenário de agravamento dos problemas econômicos, sociais e ambientais.

 

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 17/08/2018

[cite]

 

[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate, ISSN 2446-9394,

Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta enviar um email para newsletter_ecodebate+subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.

O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.

Remoção da lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate

Para cancelar a sua inscrição neste grupo, envie um e-mail para newsletter_ecodebate+unsubscribe@googlegroups.com ou ecodebate@ecodebate.com.br. O seu e-mail será removido e você receberá uma mensagem confirmando a remoção. Observe que a remoção é automática mas não é instantânea.