#8: Helena Lopes Braga – Tudo o que fazemos é uma afirmação pessoal.

Helena Lopes Braga canta sobre o seu próprio mundo enquanto cria um ambiente intimista que nos convida a fazê-lo nosso também. Encara a música como uma parte do mundo sem o qual não sabe viver e, sem planos definidos para o futuro, tem como principal objetivo conseguir que as suas canções transmitam alguma coisa às pessoas que as ouvem, e lhes ofereçam a possibilidade de as tornarem suas. A Helena lançou este mês o seu EP de estreia, “Sem”, um álbum com identidade que, de acordo com a própria, nasce de perdas, de momentos de solidão, de mágoa, de cansaço, e dos renascimentos que se lhes seguem, numa abordagem despretensiosa deliberada, com a colaboração da irmã, Leonor Lopes, na produção e de Tiago Valentim nos instrumentos.

Estivemos um pouco à conversa com a Helena, num registo informal, e partilhamos agora os momentos principais para que também vocês a possam conhecer um pouco.

Antes de mais parabéns pelo lançamento do teu primeiro EP, “Sem”! O que sentes ao conseguires ver a tua música assim concretizada em algo palpável, à disposição de um público alargado?

É o realizar de um sonho, mas é também o ultrapassar de vários medos. Sempre quis escrever música, e sempre o fui fazendo para mim, para pessoas próximas, mas nunca a deixei sair porque nunca confiei em mim para ter iniciativa que acontecesse, nem nunca surgiram oportunidades para o fazer – não me movo em círculos onde alguém me diz: olha, queres fazer um disco? No entanto, um dia a minha irmã, que é aluna do curso de produção musical na ETIC, propôs-me produzir um álbum. Embora o conceito original se focasse num duo de standards de jazz que eu tinha na altura, depois de pensar melhor decidi que era a oportunidade perfeita para gravar as minhas próprias canções.

Essas canções têm um registo bastante pessoal.

Sim, são canções sobre o meu mundo e remetem para ocasiões e pessoas particulares. Mas se pensarmos bem, o meu mundo tem semelhanças com o de outras pessoas. Aliás, numa das minhas canções falo de um mundinho, dentro de outro mundinho e dentro de outros mais. Essa multiplicidade está presente em todas as canções. Está lá Lisboa, estão pessoas da minha faixa etária, com um estilo de vida próximo do meu, com problemas e inquietações próximas das minhas. Mas está também de uma forma mais abrangente o que proporciona isso: o contexto global que faz com que nós hoje e aqui tenhamos determinados estilos de vida e pensemos no que nos rodeia e o vivamos de determinadas formas.

É curioso falares nesse contexto global, porque apesar dessa universalidade de temas parece-me que a sonoridade das tuas canções é claramente mais local, portuguesa e lisboeta.

Fico muito lisonjeada, mas não sei se há uma sonoridade que se possa considerar portuguesa ou lisboeta nas minhas canções. Quando estou a escrever canções, a música vem junto com as palavras, não sei fazer uma sem a outra. E às vezes o texto pode nascer com determinada inflexão, ou pode surgir uma progressão harmónica que faça lembrar qualquer coisa familiar, mas não são à partida composições racionais ou refletidas. Outras vezes tem a ver com uma opção estética que se enquadra melhor na canção. Admito que se possam detetar algumas influências num ou noutro tema, nas opções da instrumentação, na forma de cantar, mas não foi intencional. Há até temas onde não deteto nada de português a não ser o facto de ser a língua usada, como por exemplo a “Outro dia”.

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Já que mencionaste a língua usada, é um facto que o teu EP é completamente em português. Há um debate recorrente sobre esta questão em que por vezes se critica bastante a decisão de um artista cantar em inglês. Para ti esta nunca foi uma opção?

Não chegou sequer a ser uma dúvida. Infeliz ou felizmente, escrever canções era algo só meu, e não uma ocupação ou um objetivo profissional. Não tenho metas ou prazos para cumprir e nunca escrevi para vender ou chegar a mais gente, mas para mim. Eu oiço sobretudo música em inglês, para o bem e para o mal, porque é o que passa mais em todo o lado, e tenho como referências muitas músicas anglófonas. Mas quando sinto e quero falar de mim, sinto e penso e falo em português. E depois o português é muito musical, e muito desafiante, enquanto que no inglês tudo encaixa demasiado facilmente. O português parece que permite mais poesia, e que transporta mais sentimento também – o que não quer dizer que não haja bons poemas na música ligeira inglesa. Mas claro, isto é a opinião parcial duma nativa.

Achas que o facto de seres tu também a escrever as letras das canções faz com que a tua interpretação seja mais emocional?

A minha interpretação depende sempre das condições em que é feita, e há alturas em que me dói a cabeça, em que o dia corre mal, em que o som é mau, em que o público não reage… O que quero dizer é que nem sempre a minha interpretação será necessariamente mais emocional simplesmente por ser minha. A ideia de outra pessoa interpretar as minhas coisas é sempre estranha, precisamente por serem minhas, mas poderão senti-las tão bem ou melhor do que eu. E terão necessariamente outras leituras, outras interpretações, o que é sempre enriquecedor. Se eu não acreditasse nisto, não cantaria temas de outras pessoas, e eu adoro cantar standards de jazz, temas de musicais… O meu repertório de eleição, além das minhas coisas, claro, é esse. Mas também gosto de cantar covers, de Sia, Queen, Beatles, do que me aprouver.

Então e de onde vem a tua vontade de criar música? Disseste no início que é algo que sempre quiseste fazer, mas de onde surge este desejo?

Não me lembro quando é que comecei a pensar nisso, nem sei exatamente de onde vem, mas lembro-me que pelo menos no começo da adolescência, no ensino básico, já era algo claro. Só que a minha família foi-me reprimimindo, com o argumento que a música não era profissão, e levando a que escolhesse caminhos alternativos. Mas a música existiu sempre como plano de fundo. Já na idade adulta tive finalmente a oportunidade de estudar música no conservatório, e foi isso que fiz. Fui aprender piano e toda a parte da educação formal da música clássica desde o começo para que pudesse fazer algo que gostasse realmente.

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O teu investimento na música é então quase uma afirmação pessoal, da tua identidade.

Acho que tudo o que fazemos é uma afirmação pessoal, mesmo sem o querermos. Não vejo o meu investimento na música como uma teimosia, ou uma luta, mas é quase como se não houvesse outra hipótese – e por mal que isto soe, estou mesmo a dar-lhe um tom determinista. Ou seja, qualquer coisa que eu fizesse teria de estar relacionada com a música. E até agora tenho tido essa sorte, que tem implicado esforço e luta e dor, sim, mas que continua a ser sorte. A música é uma forma de comunicação, é uma ferramenta social, é uma tecnologia do mundo e, portanto, também do fazer do mundo. E é amor, e este para mim é talvez o único amor sem o qual eu não sei nem quero saber viver.

E planos para o futuro, a nível musical?

Para isso precisava de ter planos para a vida – que não consigo ter, porque ela não deixa, está sempre às voltas. Mas quem sabe daqui a um ano ou dois transformar o EP num álbum, com outras canções que ficaram na gaveta, e outras por escrever. Ou então fazer um novo EP. Não acho que um álbum seja uma necessidade absoluta, muito mais nos tempos que correm em que é tudo streaming e youtube. Para já fico contente se quem me ouve obtiver algo. Que a música, as letras ou a voz ou o que quer que seja transmita alguma coisa e dê às pessoas a possibilidade infinita de tornarem seu.

Obrigado por teres passado algum tempo connosco, e desejamos o maior sucesso para o teu EP e para o futuro!

Fiquemos então agora com “Sem”, o primeiro single do EP de estreia de Helena Lopes Braga, no vídeo abaixo.

O EP completo da Helena Lopes Braga está disponível aqui.

 

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