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Morre o escritor João Gilberto Noll, vencedor de cinco Jabutis, aos 70

Informação foi confirmada pela família do autor gaúcho, de 'O cego e a dançarina'
O escritor João Gilberto Noll Foto: Divulgação
O escritor João Gilberto Noll Foto: Divulgação

RIO — Morreu na noite de segunda-feira, aos 70 anos, João Gilberto Noll, vencedor de cinco prêmios Jabuti. A família confirmou o falecimento do escritor gaúcho. A causa da morte não foi divulgada oficialmente, mas a suspeita é de mal súbito. Segundo familiares, o velório já está sendo realizado e o enterro está previsto para as 18h desta quarta-feira, no Cemitério João XXIII, em Porto Alegre.

Com 18 livros publicados — 13 romances, três compilações de contos e duas obras infantojuvenis —, Noll marcou seu nome na história da literatura brasileira com títulos como "O cego e a dançarina", de 1980. Pelo livro de contos, recebeu, além do Jabuti, os prêmios de revelação do ano, da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) e de ficção do ano, do Instituto Nacional do Livro. Foi traduzido para o espanhol, o inglês e o italiano.

Nascido em Porto Alegre em 15 de abril de 1946, Noll viveu no Rio de Janeiro entre 1969 e 1986, onde concluiu a faculdade de Letras, fez inúmeras colaborações em jornais como "Folha da Manhã" e "Última Hora", e deu aulas na PUC.

Conhecido por sua reclusão, o autor mantinha  uma vida solitária em seu apartamento em Porto Alegre. Segundo sua agente literária Valeria Martins, da Oasys Cultural, familiares entraram em seu apartamento, na terça-feira à noite, depois de ser avisada de que ele não havia comparecido a uma oficina literária que estava ministrando. Noll teria sido encontrado já sem vida em seu quarto. Médicos confirmaram a morte por causas naturais.

Em entrevistas, o autor costumava dizer que não gostava de planejar muito os caminhos de sua ficção. Em 2008, quando participou da Festa Literária de Paraty, em mesa compartilhada com a cineasta argentina Lucrécia Martel, Noll comentou sobre seu processo de criação.

— Eu não escrevo com uma programação. Deixo que os cavalos mentais me arrastem. Me deixo levar e, só depois, me torno um obsessivo pela limpeza do texto — disse ele. — Mas eu não sou um sujeito naturalista.

Era, sim, um autor interessado em explorar o inconsciente. Tanto que se dizia muito influenciado por Nelson Rodrigues — escritor que, em sua percepção, foi incomparável em tratar do inconsciente do homem médio. A solidão e a perda de sentido eram temas recorrentes em suas obras.

Na época de sua participação na Flip, ele havia acabado de lançar "Acenos e afagos" (Record), considerado pelo crítico José Castello "o mais forte e, por isso, o mais desprezado livro de Noll". Na trama, um homem decide abandonar a vida monótona e se jogar no que ele próprio define como "uma epopeia libidinal", ao perceber que está envolvido emocionalmente com um amigo engenheiro.

NO CINEMA E NO TEATRO

"Alguma coisa urgentemente", conto presente no livro de estreia de Noll, foi adaptado para o cinema. Dirigido por Murillo Salles com o nome "Nunca fomos tão felizes", estreou em 1984. "Harmada" também foi para as telas pelas mãos de Maurice Capovilla, em 2003, e, por último, "Hotel Atlântico", em 2009, com direção de Suzana Amaral.

Para o teatro, Noll escreveu "Quero sim", levada aos palcos por Marcos Barreto.

Na época do lançamento de "Harmada" nos cinemas, Noll detalhou sua relação com a linguagem cinematográfica em entrevista ao GLOBO:

— Acho que sou cinematográfico, uma vez que os meus livros apresentam o olhar como o núcleo da ação. Há mais uma coreografia do que propriamente uma ação visando a um determinado desfecho. Não existe no que faço, propriamente, uma ação de causa-efeito. Meus protagonistas sofrem golfadas do acaso. É uma coreografia para desenhar a rejeição ou sedução entre os personagens.

Na época, confessou também não ter vontade de explorar a tecnologia a ponto de mudar sua rotina — "prefiro estar numa sala escura de cinema ou lendo poesia" — e celebrou o fato de sua obra ter boa recepção na academia:

— Já devo ter recebido perto de 50 dissertações e teses de mestrado e doutorado sobre o meu trabalho! Algumas já publicadas em livros, tanto aqui no Brasil quanto nos Estados Unidos e na Inglaterra. Algumas excelentes, que ampliam o diálogo entre esses leitores superempenhados com o que eu propus como texto. Posso querer mais da literatura?