Futebol feminino e a miopia do investimento

Futebol feminino e a miopia do investimento

Para quem não sabe, a CBF mantém uma seleção permanente de futebol feminino, com salários e afins, para jogadoras que não conseguem se colocar em times. Obviamente, os times femininos e seus campeonatos são precários demais para absorver estas jogadoras, que recebem salário da CBF.

A iniciativa tem pouco mais de um ano e alguém decidiu que Isso "não dá retorno", o que significa que o modelo será repensado para - provavelmente - acabar com a seleção feminina permanente. O 7x1, que mostrou que futebol masculino de seleção é uma droga, é mais velho que essa iniciativa.

Para agravar, a matéria do Globo Esporte deixa a entender que o investimento não era feito por motivos muito nobres, quase como uma obrigação para "ficar bem com o chefe":

a Fifa (...) tem como uma das suas bandeiras o desenvolvimento do futebol feminino - e dá alguns recursos à CBF com este fim. (...) A extinção do modelo de seleção permanente, uma peculiaridade do esporte no Brasil, pode não inspirar muita simpatia em Zurique.

Fica melhor: cada jogador do time masculino ganhará R$500 mil pela medalha de ouro. Veja bem, 12 milhões de reais vão para jogadores que gastam 500 mil em balada entre um jogo e outro.

Colocando em perspectiva: Michael Phelps recebe R$80 mil por medalha de ouro, e ele não ganha um salário que seja comparável ao que cada um desses jogadores ganha.

O Isaquias Queiroz, que trouxe 3 medalhas para casa vai receber R$132 mil ao longo de um longo ano.

(Foto: Frankie Marcone / Nominuto)

Então, temos a CBF jogando dinheiro em jogadores milionários, que deveriam querer a medalha na pior das hipóteses pelo mesmo valor que os outros medalhistas recebem (R$35 mil, ou R$17,5 mil para esportes coletivos). Do outro lado, temos atletas que não tem condições de praticar seu esporte no seu país, tendo negado o direito ao mínimo. Porque "não dá retorno". Depois de um mísero ano.

Nessa hora, é inevitável não pensar em erros comuns a empresas na hora de definir investimentos:

  1. Prazo de retorno: aposta-se dinheiro em investimentos sem um propósito claro, e a paciência com o retorno é curta. Ainda que não haja simpatia com o investimento, 1 ano para fazer tamanha mudança como a do futebol feminino não é critério para nada.
  2. Propósito do investimento: "porque tem que fazer" sempre é um péssimo motivador para investir. Se a empresa não acredita no que está investindo, e o faz por um motivo que se resume a isso, incorre em um prejuízo de imagem e um desperdício maior que não investir. Por exemplo, quantas empresas você conhece que investiram em sustentabilidade, achando que isso se reduz a dinheiro e não a cultura?
  3. Nem todo mundo nasceu para ser estrela: comparar o retorno de um investimento com seu primo mega sucedido é o mesmo que dizer que jamais vai investir em nada. Nada nasce estrela, todos podem se tornar uma. E se seu investimento gerar uma vaca leiteira, que mal há? Ao comparar futebol feminino com masculino, a CBF ignora as particularidades de cada investimento, e a importância de um portfólio equilibrado. 
  4. Investimento não tem que - descaradamente - gerar dinheiro: ao tratar tudo como cifra, empresas esquecem que alguns investimentos existem para gerar recursos diferentes para empresa; capital social, retorno de imagem, melhoria de processos...todos estes podem ser traduzidos para cifrões ao longo do tempo, mas não são imediatamente retorno financeiro.
    No caso da CBF, o retorno do futebol feminino poderia vir com uma imagem mais simpática da entidade, da ampliação da marca "Brasil" no esporte, do fortalecimento do esporte como um todo...

Investimentos não podem ser feitos por impulso ou por motivos que não sejam pertinentes ao próprio investimento. São operações que exigem dedicação, adesão, alocação de recursos e uma cultura preparada para aceitar que nada se faz de repente. Vale para a CBF, vale para qualquer empresa.

Vale lembrar que de 2002 (data em que a seleção brasileira ganhou seu último título de expressão) até 2016, a seleção feminina ganhou 2 medalhas de prata em olimpíadas, 3 medalhas de ouro e uma de prata em pan-americanos e um vice-campeonato de copa do mundo.

Ou seja: se formos aplicar uma conta de investido x retorno ao longo dos últimos anos, a CBF teria que fechar a seleção masculina.

(Crédito da imagem do topo: Jorge William / Agência O Globo)

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