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O berço de ‘guerreiros santos’ na Alemanha

Sentimento de exclusão social por parte da juventude muçulmana é explorado por imãs extremistas
Radicalização. Cuspert em uma mesquita de Berlim: ex-rapper, ele deixou a música para ir para a Síria. A mesquita que frequentava está sendo investigada Foto: The New York Times-17/8/2011
Radicalização. Cuspert em uma mesquita de Berlim: ex-rapper, ele deixou a música para ir para a Síria. A mesquita que frequentava está sendo investigada Foto: The New York Times-17/8/2011

BERLIM - Milhares de jovens deixam a vida confortável na Europa para aderir ao Estado Islâmico, onde fazem treinamento de guerra, para depois morrer em um atentado suicida, como os ataques de Paris no último dia 13. Os jovens, os chamados “guerreiros santos” do EI, são dogmatizados ainda na Europa, e a suspeita de que haja imãs pregando o ódio pode levar algumas mesquitas a serem fechadas na Alemanha. Quatro dos cem templos muçulmanos de Berlim estão sendo investigados pelas autoridades. Entre eles está a al-Nur, onde as pregações do ódio radicalizaram Denis Cuspert, berlinense que deixou uma carreira bem-sucedida de rapper para aderir ao EI. Em Hamburgo foi fechada a mesquita al-Quds (chamada também de Taiba), onde nos anos 90 o egípcio Mohammed Atta se radicalizou para, em 2001, praticar o atentado contra o World Trade Center. Dezenas de outras mesquitas em toda a Alemanha estão na lista de “suspeitas de cultivar o ódio religioso”. Cuspert morreu em outubro durante um bombardeio na Síria.

Segundo Lamya Kaddor, autora do livro “Zum Töten Bereit” (“Pronto para matar”, em tradução livre), o papel dos europeus — descendentes de imigrantes e convertidos — nas tropas do Estado Islâmico, é cada vez maior. Lamya, alemã filha de imigrantes sírios, vê o terrorismo islâmico como um movimento de protesto de uma geração que se vê como vítima da sociedade, da escola ou da família.

— Cinco dos meus alunos de religião desapareceram um dia, sendo mais tarde localizados na Síria, para onde tinham ido lutar com o EI. Fiquei perplexa, tentando descobrir as possíveis causas. Em todos eles havia uma sensação de exclusão, déficit emocional ou simplesmente a falta de amor na família, o que fez deles vítimas fáceis de mesquitas radicais — disse a escritora de 37 anos.

São imãs como Hasan Ibrahim, responsável pela radicalização de dezenas de jihadistas. Além de pregar o ódio na mesquita de Solingen, a cerca de cem quilômetros de Colônia, Hasan utilizava também a internet, onde destilava a rejeição aos judeus e incitava a jihad. Há dois meses, ele foi condenado a quase três anos de prisão, mas fugiu com a família, provavelmente para o Oriente Médio, antes de iniciar o cumprimento da pena.

Lamya, fundadora e presidente da Liga Liberal Islâmica, vê os pregadores do ódio com preocupação pelo efeito negativo que têm entre os jovens. A religião é vivida como se fosse uma guerra. Mas ela lembra que os imãs radicais só encontram ouvidos onde há jovens disponíveis, que tendem ao jihadismo como uma manifestação de movimento de protesto de uma geração nascida na Europa, que sofre com a falta de raízes e por ver os pais como vítimas da discriminação e da falta de chances de mobilidade social.

A estrutura do EI Foto: Editoria de arte / O Globo
A estrutura do EI Foto: Editoria de arte / O Globo

Depressão e vida vazia

Talvez a história de Denis Cuspert, que como artista usava o pseudônimo de Deso Dogg, combine com esse modelo, como mostram as letras de algumas das suas músicas. A mãe era aceita pela sociedade de Kreuzberg, o bairro de Berlim onde ele nasceu, há 40 anos, mas ele, que parecia mais com o pai africano, não.

O psicólogo e especialista em Islã Ahmad Mansour diz que os problemas que levam jovens a aderirem à jihad são mais psicológicos do que socioeconômicos. Cerca de 40% dos novos jihadistas sofrem de depressão e descobrem a ideologia como conteúdo para preencher uma vida que julgam vazia. O aspecto da violência só se torna presente mais tarde.

Também o marroquino Mohamed Nidalha, de 49 anos, busca desesperadamente uma explicação para o que motivou seu filho Reda, de 20, nascido na Holanda, a se juntar à guerra civil síria.

Embora de origem muçulmana, a família Nidalha não frequentava mesquitas. Um dia, Reda descobriu a religião por meio de imãs extremistas, que o submeteram a uma lavagem cerebral, diz o pai. Depois disso, ele perdeu o interesse por tudo: a discoteca, as garotas e o estudo.

Irhan Peci passou pela mesma experiência, com a diferença de que fez parte da al-Qaeda. Mas ele teve a sorte de ter se arrependido e conseguido voltar para a Alemanha.

— A falta de perspectivas e o sentimento de exclusão que jovens costumam ter se tornam componentes explosivos quando instrumentalizados por um pregador do ódio — disse.

Peci trabalhava na parte de propaganda, sobretudo na produção de vídeos com ameaças de atentados. Quando voltou à Alemanha, em 2008, foi preso como terrorista. Depois de solto, trabalhou como espião infiltrado entre os jihadistas. Hoje, vive do comércio de carros usados.